Algures junto à rua Dr. António Bernardino de Almeida, Porto, Fevereiro 2011
Ao chegarmos à rua Dr. António Bernardino de Almeida, espreitamos muitos edifícios, nem que seja de passagem. Toda a gente sabe. Eu gosto de árvores à contra luz, insinuando-se como hematomas na paisagem e mesmo assim projectando-se para outros elementos anexos a ela: casas velhas e barracos vivaços entre sebes, pequenos muros, mesmo ao lado do (des)conhecimento das escolas. Basta saltar a cerca.
Nevoeiro matinal com sabor a mar. Pelo menos pareceu-me. Aveiro, assim de soslaio, merecerá várias investidas. Recordo-me de lá passar várias vezes de comboio, muitas luas atrás, com um amigo meu a debitar cenas sobre fenómenos físicos entre outros devaneios estimulantes, enquanto absorvíamos o aroma a Cacia. De repente, surgia a estação e, além, antigas fábricas assimilavam a paisagem com tijolos de burro.
Albergaria-a-Velha certamente que é uma passagem. Desde logo para quem circula de autocarro para o interior, mas não o será menos, se nos integrarmos no seu interior de pequenas veias de circulação acanhadas de carros, casas baixas a orientar o fluxo, e um centro que não desacredita o restante. A cada passo, a roupagem não nos alumia outro país que não se conheça e, apesar de tudo, a escala sendo humana, conforta o visitante apressado.
24h sem internet caseira a lembrar-nos os nossos vícios mais frívolos. E aqui, por exemplo, nas traseiras de qualquer coisa, poderemos imaginar perto a Avenida da Restauração, com os seus objectos identificáveis a publicitar o leitão dos nossos devaneios. Sucede que, algures, um parque intercede pelos humanos que lá caminham ou correm, sabe-se lá bem para onde, podendo(-se) claramente observar os leitões em modorras publicitárias mais ou menos do caraças. Sinto-me sempre perdido nas rotundas, mas retenho a norma inflexível da viagem.
E o mais interessante em Leça da Palmeira ou Matosinhos é esse estranho convívio - que nos parece ainda assim - forçado entre o novo e o antigo, o que não quer necessariamente dizer entre o moderno e o velho. Simplesmente, estes coabitam sem grande sentido de conjunto, relativizando-se mutuamente, até porque ali ao lado está o mar, o qual simplesmente prevalece.
Terei sido atormentando por movimentos que de ida e volta me recordaram a adolescência. E depois, depois, nem sequer procurei a broa de Avintes para acompanhar a memória de um frango de churrasco da Furna, com bichas intermináveis. Vindo de Leça e sabe–se lá mais de onde, exauri uns quantos pensamentos junto ao parque biológico de Avintes, mais conhecido como parque biológico de Gaia, mas aí, claramente, já só mastigava afazeres.
Em viagem, por vezes, tudo nos é arremessado num momento. A natureza, sem pejo, projecta-se indiferente aos nossos anseios, recordando-nos o caminho infalível até ao nada: a beleza da jornada.
Pânico? Algures fica o ISMAI. O mais interessante é toda a área circundante: campos; urbanizações; estradas/ruas; e, claro, o metro. De passagem, lentamente absorvi a chuva nesta amálgama com todas as saídas e mais algumas. Ao certo, a manhã tornou-se enternecedora, quando me refugiei, por momentos, num gabinete de trabalho. Era segunda-feira de todas as dores.
Rua Dr. Roberto Alves, Santa Maria da Feira, (12-02-11)
Ao chegarmos à cidade, perto do centro histórico, podemos ler, escrito na fachada de um edifício, “Escadas Para o Céu”, recordando-nos, talvez, a vocação religiosa destas terras facilmente observável nos seus mosteiros, conventos e igrejas, e em não menor grau de importância, na sua doçaria. Lá em cima, num caminho, quem sabe, também para o céu, fica o castelo da Feira onde parece que se paga 3 euros por uma visita. Este cruzar religioso e militar, assenta num outro cruzar bem antigo, de caminhos e de passagem, facto que ainda hoje se pode aferir. O lugar, está acompanhado de perto pelo Europarque e Visionarium, por exemplo, e até já teve direito a música, não se tratando, por acaso, do apropriado “Stairway To Heaven” dos Led Zeppelin, mas sim de um tema do senhor Devendra Banhart, que já tocou nestas paragens e que é mais ou menos assim:
Rua Óscar da Silva, Leça da Palmeira - antiga conserveira - (10-02-11)
Haverá uma certa beleza nisto tudo. Comi uma sandes a correr, já muito almoço tardio, perto da empresa Ramirez, a do atum da nossa imaginação, recordando-me que este povo de mundos sem mundo, é um pioneiro/artista da conservação, seja em enlatados, seja na salga/cura do bacalhau, entre outros. Falta-nos, talvez, um Melville (ou um Sebald, já agora) não apenas para contar a história, mas para vivê-la ou compreendê-la. Apesar disso, um desleixo de rapina preside aos nossos espaços, antigos e novos, notório a cada trecho e preenchendo cada interstício até ao limite do desatino.
A rua Óscar da Silva em Leça da Palmeira/Parafita, é um bom exemplo disso.
Antes de mais, recordo um fim-de-semana [muito] longínquo: borrego assado em fogão a lenha com direito a miolos à moda da casa amiga; licor de qualquer coisa, entre vários licores. E Joy Division, algures num bar rasca, com jukebox a mediar a noute. Ah!, e uma feira regional, com direito a prova de vinhos.
Desta passagem posterior, a actualizar, retive alguns destroços, derrapagens de um tempo cada vez mais moderno e solitário.
Quando parei junto à ponte vindo, por um imprevisto sóbrio, de Avintes, enamorei-me por uma casa que julgo ser do século XIX. Apeteceu-me pular para dentro do seu espaço arruinado e ao mesmo tempo infalível na sua memória aparente, qual Meursault supostamente existencial do “O Estrangeiro”, de Camus, quando este se arroja para o caminhão em andamento. Por acaso estava sol, mas não matei ninguém.
Não foi bem a correr. Estava apenas a pensar nos livros para ler, enquanto escutava o "Easy" dos Faith no More. Eu também sou fácil, ou se calhar um gajo simples.
Olha: carros e ainda pequenas ruas que se cruzam, objectivamente magras e submissas a todos os devaneios. Retenho, quase sempre, o café Enes, ali numa esquina. Um espaço de singular contacto com (todos) os jornais desportivos, velhinho na sua sordidez de bairro, onde se adivinha um andar para baixo.
Um cão dormia descansado na arca dos gelados(?), muito perto de um depósito de prateleiras atrás do balcão, repleto de imagens, garrafas, copos e afins onde, quase lá em cima, uma colecção de miniaturas de moinhos e máquinas de café conspiram com o nosso olhar. A malta senta-se sempre virada para a porta. Prefiro o balcão, onde o diabo certamente as tece…
Em Novembro de 2010 também esteve frio e neve: lembram-se?... A caminho de Seia, supostamente já em rota turística, deparamo-nos com algumas misérias e abandonos que polvilham as nossas andanças. Com efeito imediato, a mesma uniformidade escolta-nos a cada passo: cafés e restaurantes com roupagens semelhantes a todos os outros; pequenas ruínas industriais; campos e florestas sem definição. Casas antigas esquecidas com as sebes a servir de armadura.
A espaços, uma reminiscência inútil vota-nos a ao silêncio.