O seu gesto constituía uma maneira subtil de não esquecer que também se havia de transformar em pó. (Melville)

domingo, 9 de dezembro de 2012

Experiência 12: poesia do invisível


(GP)
[2012]


O primeiro lugar: uma sala de espera da segurança social. O segundo lugar: este onde se recorda uma sala de espera da segurança social. Dois lugares, um livro. E uma imagem dentro de uma imagem. O livro, esse:

Eram os primeiros minutos do amanhecer. Simone pensou que, se nas alturas não havia nada de interessante, teria de o procurar em terra firme. Ou já não precisaria de procurar nada? Ficou na cama espreguiçando-se lentamente, com uma preguiça infinita, a observar as partículas de pó que pairavam num raio de sol dentro do seu quarto às escuras. E foi então que ouviu o grito. Alguém tinha gritado no amanhecer, numa casa próxima, talvez no seu próprio prédio, talvez no seu próprio quarto. Para Simone, foi o mais semelhante a uma catarse, porque sentiu a sensação de que no seu despertar ia existir um antes e um depois daquele grito. Logo a seguir, viu que não seria assim. O grito tinha passado e continuava tudo na mesma, cinzento e monótono como antes. Regressou ao seu tédio e chegou a uma firme conclusão, sem que previamente se tivesse dedicado a procurá-la. A partir daquele momento, enfrentaria directamente a verdade e suportaria o vazio e, por conseguinte, aceitaria a morte. Bem vistas as coisas, pensou, a verdade encontra-se do lado da morte, sempre o disse. Logo depois, voltou às partículas de pó, àquela espécie de poesia do invisível. Irei mais além da preguiça do infinito, disse para consigo. Era essa a sua meta na plenitude do seu magnífico despertar de morta. Porque tinha despertado morta, espreguiçando-se suavemente ociosa, esplendorosa.

“Um tédio magnífico” (in Exploradores do Abismo), Enrique Vila-Matas. Tradução de Jorge Fallorca. Teorema.  

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